Recebi um convite do TECS (Grupo de Computação Social da USP) para ir à Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) representando o perifaCode. Para ser mais precisa, fui à Fundação Casa Feminina De Parada De Taipas. Me enchi de coragem e fui lá.
A Fundação fica localizada em Pirituba, mais especificamente na região periférica. Entramos, deixei meu celular, brincos, anéis e mochila logo na entrada, por precaução de segurança da fundação. Levei apenas um caderno com anotações sobre a minha história e mensagens que queria levar para elas. Todos os lados têm grades, paredes com cores neutras e desgastadas, é um lugar precário.
O lugar é precário, mas as meninas que chegaram sorridentes, não. Como era um dia de sol, realizamos o evento no ginásio da fundação. Levamos equipamentos de som, microfones, projetor, telão e decoramos com bexigas na tentativa de dar uma cara nova ao lugar.
O objetivo do encontro era inspirar as meninas o futuro delas após a saída na fundação, além de trabalhar diretamente com as habilidades internas de cada uma. A ideia nasceu após dez semanas de aula de programação básica ministrada por voluntários do Grupo TECS na Fundação.
Cada uma delas foi chegando aos poucos, um pouco envergonhadas, mas cumprimentando cada um de nós. Aos poucos, foram se juntando, sentando no chão e, quando olhei, elas estavam ali, frente a frente comigo, e queriam ouvir o que eu tinha a dizer.
A ansiedade e o sorriso fácil me lembraram como em muitos momentos da minha vida tudo que eu precisava era de alguém para me escutar e quantas vezes eu senti falta de ver mulheres dentro da minha realidade me representando e me inspirando. Ver mulheres comuns que estão tendo o heroísmo diário de enfrentar as violências as quais estamos submetidas, esses exemplos fazem com que nos sintamos encorajadas, acompanhadas. Toda vez que uma mulher relata como superou uma relação abusiva, como reagiu a uma situação de violência ou como conseguiu entrar na universidade pública, ajuda e encoraja outras mulheres a tomarem a mesma atitude. Não há nada mais inspirador para uma mulher que a experiência de outra mulher e como ela superou.
Não pudemos conhecer quais as infrações elas tinham cometido, por regras da fundação, mas eu entendo que isso nos impediu de julgar ou ter pré-conceitos. Durante aquela tarde inteira fiquei com garotas que, com idades que variam entre 13 e 21 anos, estão presas, privadas de tudo o que nós temos. São coitadas? De forma nenhuma. Todas ali são garotas com sonhos e que, de alguma forma, descobriram a tecnologia e a universidade pública e viram nisso uma oportunidade.
Durante nossa conversa com elas, foi perguntado como elas se imaginavam depois de sair de lá, e muitas responderam no impulso sobre o sonho de fazer uma faculdade e, principalmente, ajudarem suas famílias. Diante disso, vi que muitas não passam de meninas que carregam uma responsabilidade gigante nas costas. Percebi que todas são muito carentes. Muitas ficavam abraçadas, de mãos dadas, faziam carinho umas nas outras. Muitas perguntavam quando íamos voltar, outras simplesmente me abraçavam.
Antes desse encontro, comentei com algumas pessoas sobre essa missão e muitas disseram “Mas, elas são criminosas”, “Estão lá por um motivo”, “A justiça já foi feita”.
Eu sei que elas estão lá por um motivo, mas não acredito que “A justiça já foi feita” ou que um incidente deva definir sua vida. O que ninguém sabe ou prefere não saber, é que elas são seres humanos, elas são garotas que por abuso, por falta de grana, por influência, por vários motivos, entraram no mundo do crime e estão perdendo a juventude lá. Não nos cabe julgar.
Ao longo dos cinquenta anos de existência, a Fundação Casa ainda não atingiu o objetivo de devolver o jovem infrator à sociedade com responsabilidade. Disparidades de gênero são ainda mais cruéis dentro dos sistemas prisionais. Some a essa disparidade a falta de conhecimento e total esquecimento da sociedade.
Pense que você, mulher sendo livre já tem que ouvir mil perguntas descabidas sobre, por exemplo, as suas pretensões de engravidar nas entrevistas de emprego ou com quem vai cuidar de seus filhos se eles ficaram doentes. Imagina para elas.
Elas estão presas, mas sentem ansiedade tanto quanto nós, sentem os hormônios fervilharem tanto quanto nós e têm cólicas tanto quanto nós. Elas são as mulheres que nós não vemos, que a sociedade não vê ou não quer ver, elas são as meninas esquecidas ali. Busque conhecer realidades fora da sua bolha. Você vai ver que elas lá dentro e nós aqui fora somos mais parecidas do que você imagina.